Acre
30.10.2025
Confúncio foi um pensador e filósofo chinês que viveu entre os anos de 552 AC até 489 AC. É de sua autoria uma famosa frase que diz: “escolha um trabalho que você ama e não terá que trabalhar um único dia na sua vida”.
Essa expressão se aplica, literalmente, à dona Valdeide Fernandes, que trabalha há 34 anos como merendeira. Atualmente, ela está lotada na escola Tancredo de Almeida Neves, localizada no bairro Glória, região da Baixada da Sobral. “Eu escolhi essa profissão porque amo cozinhar e isso para mim não é trabalho, é diversão”, faz questão de dizer.
Com oito cursos na área de cozinha ela conta que tem o dia-a-dia muito puxado. Chega cedo na escola, prepara a merenda dos alunos servida às 9h, que é a primeira refeição para muitos deles, depois tem o almoço às 11h15 e para a segunda turma, servido às 12h40 e às 15h outra merenda para os alunos que estudam no turno vespertino.
“A gente fica muito feliz quando está servindo a merenda, eles querem levar a gente para casa, eles dizem assim ‘a senhora não quer ir lá para casa não, para cozinhar para a gente’ ou então eles dizem assim ‘eu queria tanto que a senhora ensinasse a nossa mãe a cozinhar’, isso é muito gratificante para a gente”, destaca.
Próxima da aposentadoria, dona Valdeide Fernandes conta que não trocaria a profissão de merendeira. “Eu vou me aposentar nessa profissão, já tive convites para outros trabalhos, para trabalhar em outras áreas para ser inspetora, mas eu não troco porque o meu amor é pela cantina, pela merenda porque eu cozinho do mesmo jeito que fosse para os meus filhos”, afirma.
Entre as refeições que os alunos mais gostam, segundo ela, está a farofa de carne. “Eles limpam a panela, é o prato preferido deles. No dia em que tem farofa de carne não sobra nada”, explica.
“Eu gostaria de dizer que as pessoas se dediquem a essa profissão, que dê sempre o seu melhor, que faça sempre um pouco a mais e não apenas o que é encomendado fazer, mas que dê um passo a mais para fazer o melhor porque as crianças merecem ser bem tratadas”, faz questão de dizer.
“Gosto de mexer com comida, de mexer com gente”
Neste dia 30 de outubro é comemorado o dia da merendeira escolar, uma data criada a partir de 1945 quando o governo brasileiro criou a profissão, que está diretamente ligada à oferta de merenda nas escolas. O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) evoluiu de políticas criadas a partir da década de 30 do século passado.
No Acre, a data não passa em branco. As merendeiras desempenham um papel fundamental ao garantir refeições saudáveis, nutritivas e seguras para os alunos, impactando diretamente no desenvolvimento físico e no rendimento escolar na medida em que o trabalho das merendeiras vai além da cozinha, ajudando a formar bons hábitos alimentares.
Entre essas merendeiras está dona Estefana Maria de Souza, que trabalha na profissão há 10 anos, sendo oito deles na Escola Glória Perez e há dois no Colégio Estadual Sebastião Pedrosa, também de ensino integral, localizado no Segundo Distrito de Rio Branco.
“Eu gosto de trabalhar na cozinha, gosto de mexer com comida e mexer com gente. Já fui cobradeira, mas depois mudei de profissão, me descobri na merenda escolar e achei muito melhor, gostei e já estou há dez anos trabalhando como merendeira escolar”, disse ela.
Dona Estefana diz que é muito bom trabalhar com os alunos, servir refeições. “A gente cuida dos alunos, faz a merenda, eles gostam, a gente trata eles muito bem e eles também nos tratam muito bem, tanto que o almoço eles dizem que é excelente e é muito bom trabalhar aqui na escola”, afirmou.
Além de gostar de ser merendeira, a refeição que os alunos mais gostam, segundo ela, é uma carne guisada, tipo um assado de panela. “Eles gostam com tudo completo, arroz, feijão, farofa e macarrão, sem falar no café da manhã que eles também adoram quando chegam na escola”, destaca.
“As pessoas têm que dar mais valor para a gente (merendeiras) porque a gente faz de um tudo e faz sempre o melhor e tratamos a todos muito bem, principalmente aos alunos, a quem servimos, porque afinal de contas estamos aqui para servir”, disse.
Quem gosta muito da merenda e também das merendeiras que preparam as refeições é a aluna Hevellyne Oliveira Sampaio, da segunda série do ensino médio. Segundo ela, a merenda servida pelas profissionais é maravilhosa. “A comida é muito boa porque elas preparam tudo com muito amor e carinho”, afirmou.
“Se trocassem as merendeiras eu não sei como seria porque eu já estou acostumada com a comida delas e eu já estou acostumada com todas as ‘tias’, elas são um símbolo de simpatia e de generosidade, por isso as pessoas deveriam dar mais valor porque elas fazem tudo como amore carinho”, frisou.
PNAE
A campanha da merenda escolar, embora tenha surgido na década de 30, foi formalizada em 1955 e transformada no Plano Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) em 1979. O programa foi instituído durante o governo de Café Filho e foi durante o governo de João Figueiredo que recebeu o nome atual e passou a ser coordenado pelo Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição (Inan).
Em 2009 foi criada a lei nº 11.947, que estabelece que todos os alunos da educação básica têm direito à alimentação. Mais recentemente, a lei nº 15.226/2025 ampliou o percentual mínimo de recursos do PNAE em 45% para a compra de alimentos da agricultura familiar.
Outra lei importante, a nº 12.982/2014, passou a exigir cardápios adaptados para necessidades alimentares especiais e a inclusão da educação alimentar e nutricional no currículo escolar.
Nesse contexto, a merendeira é a profissional responsável pelo preparo e distribuição da merenda escolar e entre suas funções se inclui a organização da cozinha e do refeitório, a preparação alimentar, o controle de estoque de mantimentos e a distribuição dos alimentos de forma adequada.
O merendeiro
Em uma profissão dominada pelo feminino, encontramos o merendeiro. Seu nome é Gleyson Souza do Nascimento. Ele trabalha há três anos servindo os alunos da Escola São Pedro I, localizada no ramal do Benfica, na comunidade do mesmo nome. “Escolhi essa profissão porque acho muito bacana, faz questão de dizer.
O dia-a-dia de Gleyson é bastante corrido. Além de atender diariamente os alunos do ensino fundamental e do ensino médio, ele também é um espécie de “conselheiro” de todos. “É corrido, mas é muito bacana ver o sorriso dos alunos, ver o momento deles se alimentar, eles sempre perguntam ‘tio, qual é a merenda hoje’”, explica.
“Tem muitos que fogem da sala de aula para ir na cantina perguntar se a gente está bem, qual é a merenda, como foi o nosso final de semana, então eu acho muito gratificante todos esses detalhes e o nosso sentimento é de gratidão ter a oportunidade de servir os alunos”, destaca.
Gleyson Nascimento não descarta a possibilidade de um dia deixar a profissão, mas faz questão de deixar claro que ele gosta muito de cozinhar e servir aos alunos. “Uma coisa que eu gosto muito é de cozinhar e ainda mais em ver as crianças comendo, sorrindo, bem alimentadas, então atualmente eu não deixaria essa profissao”, disse.
Segundo ele, entre todos os pratos que ele e mais duas merendeiras da escola preparam, o que os alunos mais gostam é de um mexidão de carne cozida ou então com frango desfiado. “É um prato que eles gostam bastante e eu acho isso muito legal”, destaca.
“É muito gratificante ver o sorriso dos alunos, então eu só tenho a parabenizar todos os merendeiros e todas as merendeiras pelo esforço, pela dedicação, porque não é apenas fazer um alimento, mas sobretudo colocar amor naquilo que estamos preparando”, afirma.
“São nossos amigos”
Entre os alunos atendidos pelo merendeiro Gleyson Souza Nascimento na escola São Pedro I está a aluna Kevellyn Nascimento, da terceira série do ensino médio. Ela faz questão de dizer que toda a equipe da merenda são amigos e parceiros. “Eles ouvem muito a gente”, diz.
Segundo ela, a merenda servida pelas merendeiras é muito boa e muito bem temperada. “Eles conseguem manusear muito bem os alimentos aqui na cantina e a comida fica realmente muito boa”, frisou.
Se por algum motivo a equipe de merendeiras da escola fosse trocada, destacou que não saberia o que fazer. “Eu não sei o que faria porque já tivemos outras equipes de merendeiras anos atrás e a gente sabe que chegar nesse nível não foi fácil, porque eles servem muito bem”, afirmou.
Entre os pratos que ela mais gosta está o mingau de aveia, mas disse gostar também muito do mexidão feito de carne feito na escola. “Eles vão muito além do trabalho, eles são amigos, são parceiros, são conselheiros, a gente conversa e eles escutam muito a gente quando precisa, quando a gente vem com algum problema”, destacou.
Papel estratégico para garantir boa alimentação
A nutricionista Lorena Lima é a chefe da Divisão de Nutrição (Dinutri) da Secretaria de Estado de Educação e Cultura (SEE). Para ela, as merendeiras, também tecnicamente chamadas de manipuladoras, exercem um papel estratégico e fundamental para garantir uma boa alimentação aos alunos da rede pública.
Segundo ela, o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) tem o objetivo de fornecer refeições saudáveis durante todo o ano letivo. “Então elas tem esse papel estratégico, onde a gente consegue garantir que todos os dias aquela comida seja preparada na escola e garante o direito à alimentação dos alunos”, disse.
“Elas são peças fundamentais na garantia da qualidade e da quantidade para que se possa dar dignidade às essas crianças quando se trata de alimentação escolar em nosso Estado, por isso a gente precisa valorizar essas merendeiras porque elas são fundamentais para o nosso planejamento que é executado dentro das escolas”, afirmou.
As merendeiras, explica, são acompanhadas por nutricionistas da SEE e, por isso precisam estar capacitadas para realizar as boas práticas. “Elas são orientadas, em visitas que a gente realiza durante o ano conforme o cronograma e a nossa divisão fornece tanto os materiais quanto o manual de boas práticas, pois são procedimentos padronizados”, destaca.
“A alimentação escolar exige esse cuidado diário, é um trabalho que começa aqui na SEE e termina lá na ponta. Vai desde a compra, o planejamento do cardápio, a capacitação das merendeiras e a entrega do alimento pronto para os nossos alunos”, ressalta.