Colégio Tiradentes da PM em Rondônia desafia problemáticas sociais e constrói modelo educacional inédito em Rondônia

transformação

19.09.2017

A escola ainda não existia, mas o local onde seria construída era considerado um dos mais críticos. Foi assim que a tenente da Polícia Militar de Rondônia Erika Ossuci aceitou o convite para ser a diretora do Colégio Tiradentes da Polícia Militar Unidade Jacy-Paraná (CTPM II), distrito de Porto Velho. Mais que um convite, um desafio.

‘‘O governador queria um colégio para combater a prostituição infantil, o consumo de drogas e ajudar a comunidade que passava por muitos problemas. O projeto não podia dar errado, tinha que funcionar’’, afirma.

A tenente não titubeou diante da missão, pelo contrário, a recebeu como um presente. Bióloga, ela entrou para a corporação com o intuito de trabalhar na área de formação, mas no 5º BPM acabou atuando na área social de bairros periféricos de Porto Velho.

Ela não sabia, mas ali nascia a diretora que iria trabalhar incansavelmente para construir um modelo educacional capaz de transformar vidas. ‘‘A gente [do 5ºBPM] tinha um projeto Atleta do Bairro onde havia uma aproximação entre os policiais e as crianças e jovens dos bairros’’.

E foi nesta época que a tenente despertou o olhar para uma realidade onde faltava o básico. A vontade de fazer mais pelos que tanto necessitavam levou a tenente Ossuci a receber a direção do colégio com um sorriso e um sonoro ‘‘Sim eu quero, nem preciso de tempo para pensar’’.

‘‘Pensa você ter um lugar onde você vai poder agregar e construir o que você sonha o que você quer que seja realizado, onde você sabe que vai mudar a vida de muita gente. Algumas pessoas poderiam pensar nas dificuldades, mas na minha cabeça o que se passava era o fato de ter um local e recurso para ajudar as crianças’’, recorda.

“Um colégio criado sob medida para Jacy-Paraná. Toda parte metodológica tanto da questão militar como a parte pedagógica foi pensada para essa comunidade”, tenente Ossuci, diretora do Colégio Tiradentes de Jacy-Paraná

Enquanto o colégio era construído, a tenente visitava constantemente a obra, fiscalizava de perto e cobrava agilidade. Ao mesmo tempo a parte pedagógica do colégio ia criando forma através de muitas pesquisas. A proposta da escola foi explicada através de diversas reuniões com a comunidade.

A escola iniciou as atividades em 2014. ‘‘Chegamos naquele turbilhão de Jacy-Paraná com índices altíssimos de consumo e venda de drogas, a prostituição infantil era muito assustadora, as famílias sofriam muito com isso e nós chegamos na hora certa porque a proposta da escola se encaixou como uma luva no que a comunidade queria’’, considera.

De acordo com a tenente, o Colégio Militar de Brasília serviu de inspiração, mas não era possível aplicar o que existia lá em sua totalidade. As realidades eram diferentes, não só o contexto da comunidade, mas também os alunos.  Era preciso considerar as peculiaridades do novo colégio. Nascia aí um projeto inédito.

‘‘Eu tirei o que havia de melhor lá e trouxe para cá, assim como fiz com outras escolas, mas muita coisa que funciona aqui hoje foi criado por nós e só tem aqui. Tudo isso para que aqui existisse um colégio único criado especialmente para essa comunidade. Um colégio criado sob medida para Jacy-Paraná. Toda parte metodológica tanto da questão militar como a parte pedagógica foi pensada para essa comunidade’’, avalia.

Incentivo a projetos científicos, desenvolvimento de atletas, horta geométrica, orquidário, logo se percebe que o colégio é diferente. Alunos completamente envolvidos com os mais diferentes projetos disponibilizados pelo colégio. Não é raro encontrar alunos nos dois turnos da escola e até aos sábados.

‘‘Vir para essa escola foi uma das melhores coisas que aconteceu na minha vida. Já estudei em várias escolas e nenhuma delas é como essa aqui porque aqui eles estimulam a gente a criar, a pensar, dão total apoio e motivação. Eu nunca tinha pensado que eu seria capaz de fazer nada do que estou fazendo agora’’, afirma a estudante do 1° ano Ana Luiza Calmon, 15 anos.

Ana Luiza é uma das responsáveis pelo projeto barrinhas nutritivas que reaproveita sementes e cascas de frutos. O projeto desenvolvido na sala de robótica do colégio militar foi apresentado na Feira Científica de Inovação e Tecnologia de Rondônia (Ferocit) e ganhou tamanho destaque que também será exposto na Colômbia.

E até aqueles que tinham uma resistência à disciplina da escola, hoje sentem orgulho do colégio. É o caso de Mateus Oliveira, 15 anos, que está no 8º ano. ‘‘Essa escola fez muito diferença na minha vida, me transformou completamente. Hoje eu vejo a escola como uma oportunidade maravilhosa’’. No começo, a mãe de Mateus era chamada todo mês à escola devido à indisciplina em sala de aula. ‘‘Há dois anos não recebo mais reclamação’’, disse a comerciante Lucineia de Avelar.

Bom para alunos, o colégio também é aprovado pelos professores. ‘‘Em outras escolas muitas vezes nós temos dificuldade devido à indisciplina. Nos deparamos com situações que ficamos de mãos atadas. Aqui é uma experiência única.  Com cerca de 22 anos de profissão agora estou me sentindo realizada. Consigo dar aula porque tem disciplina, apoio da equipe pedagógica e da tenente’’, garante  a professora de Língua Portuguesa Ester Escoriça Mariano Barbosa.

‘‘Aqui nós temos aula de xadrez obrigatória, as escolinhas esportivas, onde no contraturno eles têm aula de futebol, vôlei, jiu-jitsu, atletismo e vamos implantar o judô. Eles têm ainda aula de robótica onde trabalham os projetos de ciência e contam com o apoio da Universidade Federal de Rondônia, a Unir’’, explica a diretora Ossuci.

Os alunos também recebem reforço escolar no contraturno durante o ano todo. Tem ainda a banda marcial e pelotão de elite.  A horta geométrica é usada não só na merenda escolar, mas para aulas mais dinâmicas de matemática e física. Os alunos ajudam a cuidar da horta e com isso já adquirem conhecimento sobre o plantio. ‘‘Tem alunos que fizeram hortinhas em suas casas’’, conta a tenente.

A escola ainda possui um orquidário que embeleza o ambiente e é cuidado também pelos alunos e a sala aberta de leitura cercada por flores, árvores, bancos coloridos e balanços.

‘‘No ano que vem a gente já vai estar com o Centro de Ciência e Tecnologia patrocinado pela ESBR [Energia Sustentável do Brasil] e onde vamos ter como parceiros o Ifro [Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Rondônia], a Unir, o Senai[Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial]. É um projeto grandioso onde estaremos dando condições técnicas para que esses alunos realmente desenvolvam seus projetos’’, avalia.

O colégio possui 16 salas de aula, estão sendo construídas outras 10. No próximo ano serão 26. Está terminando também a construção do laboratório de artes, a sala da banda de música e o ateliê de costura. São 26 professores, duas supervisoras, orientadoras, diretora pedagógica e 14 policiais militares.

Possui 813 alunos do 6º ano do Ensino Fundamental ao 3º ano do Ensino Médio e com a ampliação deve chegar a 1.200. Diversas medalhas, troféus e certificados de alunos que tem se sobressaído nas mais diferentes áreas de conhecimento e mais que isso coleciona histórias de alunos- problemas que tiveram suas vidas transformadas e uma comunidade que se orgulha do colégio que representa muito para o distrito de Jacy-Paraná, devolveu a esperança de um futuro melhor para as novas gerações.


Texto: Vanessa Moura
Fotos: Bruno Corsino