Mulher, mãe e merendeira: a história de Maria da Glória é sobre sobrevivência na invisibilidade

Pernambuco

07.03.2022

Nesta semana, em homenagem ao Dia Internacional da Mulher, a Secretaria de Educação e Esportes de Pernambuco contará histórias de mulheres que inspiram. Seja ocupando cargo de liderança ou atuando “no chão da escola”, todas elas são fonte de inspiração. Iniciaremos a série de reportagens apresentando Maria da Glória, uma merendeira que encanta a todos. As demais matérias serão publicadas ao longo da semana.

Para iniciar a série, viajamos até Timbaúba, Zona da Mata de Pernambuco. Lá, nos intervalos das aulas da Escola Elisabeth Lyra, a merendeira Maria da Glória Agra, de 58 anos, é uma das personagens mais importantes. É ela, acompanhada de duas colegas, quem prepara e distribui o alimento para os estudantes. A comida, que um dia lhe faltou à mesa, hoje é seu instrumento de trabalho, é seu “motivo de alegria”. Maria foi mãe solo, lutou contra a violência, a fome, e sobrevive com esperança em dias melhores para as mulheres e com amor à sua profissão. 

Os últimos retoques no fardamento, antes da entrevista, indicam capricho e carinho pela profissão. Sentada próximo à cozinha da escola, durante as aulas do Ensino Fundamental, Maria, ainda tímida, começa a falar sobre a sua história. Nascida na Paraíba, a merendeira não tinha família. Trabalhava em casas de família, até que se mudou para Timbaúba ainda na infância e se casou anos depois. Aos 25 anos de matrimônio, Maria, já com duas filhas, se separou do então marido para se proteger do vício em álcool e agressões por parte dele. A partir daí, criou as meninas sozinha, sempre trabalhando nas cozinhas de casas de família. 

Ao ser questionada sobre a parte mais difícil de recomeçar uma vida sem o companheiro, ela foi enfática. “Ser mãe solteira. Porque dividir a vida com alguém fica muito mais fácil. Mais fácil para dividir os problemas, os sentimentos, as responsabilidades. Tinha dia que eu não tinha leite para dar às minhas filhas porque eu não conseguia trabalhar e deixar elas sozinhas. Sai pedindo aos vizinhos, a conhecidos, e assim fui criando as duas. Um tempo depois, consegui um emprego como merendeira de escola, e estou na Rede Estadual há mais de dez anos. Aqui, consegui me estabilizar, criar minhas filhas, reformar minha casinha com ajuda de conhecidos, e só sei ser grata à Deus pela minha vida”, conta. 

Poucas situações fazem Maria chorar, mas uma delas ainda é corriqueira: “A fome, agora dos outros. Muitos alunos daqui são carentes. Todo dia um deles diz que não comeu nada na noite anterior ou durante o dia. Às vezes, fazem a primeira e única refeição na escola. Eu lembro das minhas filhas, lembro da minha infância. Sentir fome é a pior coisa do mundo, e meu trabalho me dá a chance de preencher esse vazio. Cozinhar foi a função que aprendi. Desde pequena que cozinho em casas de família em troca de alimento e do que vestir, e hoje trabalho matando a fome dos outros”, acrescenta. 

Para Maria, sobreviver num sistema que privilegia o homem e sua liberdade é um ato de coragem. Mesmo vivendo em um País sem guerra, ela se considera uma guerreira por ter o básico. “A vida foi muito dura comigo, mas eu não desisti. Criar duas filhas nos dias de hoje é muito difícil. Tem drogas, bebidas, amizades erradas. Mas eu mostrei às duas o que é batalhar para seguir em frente com dignidade. Sou uma guerreira, e gostaria muito que todas as mulheres não desistissem também. Eu olho para o céu e só agradeço por chegar até aqui. Feliz, em um emprego, com colegas de trabalho maravilhosos, e com pessoas que posso aconselhar, dar carinho e palavras de conforto. Isso sim é riqueza”, finaliza a merendeira, enquanto enxuga as lágrimas.