Priorizar os estudos muda a realidade de família de trabalhadores rurais

Pernambuco

30.04.2019

Os gêmeos Luan e Luana Feliciano, de 16 anos, são filhos de um cortador de cana e de uma dona de casa que moram em um bairro carente da cidade de Macaparana, Zona da Mata Norte de Pernambuco. Os dois, assim como muitos adolescentes da região, nasceram predestinados a seguir o caminho profissional dos pais, sem muita perspectiva de crescimento. Mas a matriarca e o patriarca da família, apesar de viverem em condições precárias, decidiram reescrever a história do futuro da sua prole e priorizaram, nas páginas dos filhos, a educação. Agora, os irmãos preparam as malas para rumar a um país de língua espanhola, onde farão um intercâmbio estudantil por meio do Programa Ganhe o Mundo (PGM).

Os gêmeos estudam na Escola de Referência em Ensino Médio (EREM) Professora Benedita de Morais Guerra, a cerca de 2km da residência humilde onde moram, no bairro da Vila. A cidade do Recife foi o lugar mais longe para onde viajaram. A família, composta por Luan, Luana, pelo trabalhador rural Luiz Feliciano dos Santos, pela dona de casa Josefa Maria dos Santos, mais um filho pequeno e um neto, vive numa casa simples, de poucos cômodos e conforto, situada em frente a um vasto bananal.

Josefa, que trabalha desde os seis anos de idade, não teve muitas oportunidades de estudar. Tinha que ajudar no sustento da casa, assim como seu marido. Quando tiveram o primeiro filho, há 30 anos, entraram num acordo sobre a prioridade daquela casa a partir daquele dia: os estudos. “Eu trabalhava no roçado desde pequena. Saia às 4h da manhã e não tinha hora para voltar. Minha mãe dizia que quem estuda muito, dá para o que não presta. Mas eu sempre achei muito bonito quem sabe ler e escrever. Hoje eu só sei escrever meu nome, algumas palavras e algumas letras. Não quero isso para os meus filhos. Não quero que eles passem o que eu passei. Hoje, quem não tiver leitura, vive ruim demais”, conta Josefa.

A mãe largou o trabalho na roça para cuidar dos sete filhos, enquanto o marido viaja todo dia para trazer o sustento da casa. A família conta com o auxílio do programa Bolsa Família, mas a renda mensal total da casa chega a pouco mais de um salário mínimo. Mesmo com tanta dificuldade e memórias amargas de dias de fome no passado, Josefa e Luiz nunca deixaram os filhos trabalhar. Hoje, três dos sete que também passaram pela EREM estão estudando em universidades públicas. Luan e Luana querem seguir os passos dos irmãos e têm um sonho em comum: retribuir aos pais toda a dedicação e a prioridade nos estudos que eles estabeleceram no lar.

Para concretizá-lo, a rotina dos adolescentes sempre foi puxada. Durante o dia, estudam na EREM, que funciona em jornada integral, e à noite, quando chegam em casa, ajudam a mãe nos serviços domésticos. Só após isso, os irmãos mergulhavam nos livros. “A gente primeiro ensina a tarefa de casa ao nosso irmão mais novo e ao nosso sobrinho. Depois de tudo é que a gente se dedica a revisar os conteúdos dados na escola e as aulas de espanhol. Nas férias a gente não larga os livros”, detalha Luan. Para passar no PGM, foram meses de dedicação, até que nesta última semana, quando saiu o resultado do programa, a família comemorou mais uma conquista no plano mudança dessa história.

“Pra gente, é tudo novo. A gente vai sair do interior de Pernambuco para estudar em outro país. É uma diferença muito grande no modo de vida. A gente, que é nordestino, agora vai ter domínio de outro idioma”, declara, em poucas palavras e com sorriso largo, Luan. “O nosso maior sonho é dar aos nossos pais o que eles merecem: uma vida nova. A nossa mãe foi a maior incentivadora disso tudo. Sentimos muito orgulho deles e agora, da gente. Ainda não sabemos para qual país vamos embarcar no segundo semestre, mas estamos muito felizes com a aprovação”, acrescenta Luana.

A gestora da EREM, Laudicéia Farias, acompanha a história dos gêmeos desde a entrada deles na escola, há dois anos. Ela revela que que a aprovação dos irmãos no PGM é um fator potencializador na autoestima não só da família, mas de toda a cidade. “Aqui, nessa escola, estudam filhos de políticos, comerciantes, empresários, pessoas que têm recursos mas que acreditam na educação pública de qualidade. Ainda assim, a grande maioria dos estudantes é carente. São filhos de trabalhadores rurais, empregadas domésticas, entre outros. São adolescentes que crescem acreditando que o melhor caminho a seguir é o mesmo dos pais. E Luan e Luana vêm para reafirmar de que aqui, todos têm a mesma oportunidade e que o ponto de partida é o mesmo, mas quem decide onde chegar somos nós”, declara.

Para Laudicéia, o mérito da aprovação e do histórico de conquistas da família deve ser dividido para todos os membros do lar por igual. “A participação da mãe na vida escolar foi muito importante como incentivadora dos estudos. O pai contribuía com o trabalho pesado, tomando para si a responsabilidade de colocar dinheiro em casa e poupar os filhos. Luana poderia ter sido mais uma menina que trabalha em casa de família, por exemplo. Mas ela e o irmão abraçaram essas oportunidades da casa e da escola, sabem onde querem chegar e nós vibramos muito com isso. A escola vai estar sempre de prontidão e de braços abertos para ajudar esses estudantes nessas transformações”.